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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Ministro Blairo Maggi apontado como chefe de esquema de corrupção em Mato Grosso

Em delação, Silval Barbosa diz que ministro da Agricultura organizou pagamentos de propina com bancos e empresas nos moldes do mensalão


FONTE; REVISTA ÉPOCA

Sentado em uma confortável poltrona de couro de seu amplo gabinete, na qual costumava conversar à vontade com seus visitantes, o então governador de Mato Grosso Silval Barbosa, do PMDB, recebia um velho conhecido no início do ano de 2011 – o senador recém-eleito Blairo Maggi, hoje exercendo o cargo de ministro da Agricultura do governo de Michel Temer. A cena é descrita na delação premiada de Silval, à qual ÉPOCA teve acesso com exclusividade. Segundo Silval, Maggi estava sendo achacado devido a uma das pendências financeiras de sua gestão à frente do governo do estado. Silval Barbosa escutava com atenção o relato. Segundo ele, Blairo, sentado no sofá em frente, aparentava nervosismo. De acordo com a delação de Silval, empresários eram beneficiados irregularmente para gerar propina cobrada por autoridades públicas de diversos escalões – a regra do jogo. Silval, segundo disse ao Ministério Público, concordou em criar uma manobra para gerar desvio de recursos públicos que seriam usados para quitar a pendência financeira de Blairo Maggi junto ao empresário Júnior Mendonça, que cobrava R$ 17 milhões repassados ilicitamente para abastecer as campanhas políticas do grupo.

 Esse relato, surpreendente por expor um verdadeiro laboratório da corrupção enraizada em uma gestão estadual, é um dos 60 eventos criminosos contados pelo próprio Silval Barbosa aos investigadores da Procuradoria-Geral da República para obter um acordo de delação premiada, homologado no último dia 9 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, que a classificou de “monstruosa”. É o primeiro ex-governador a se tornar delator. ÉPOCA teve acesso a todos os anexos da delação premiada de Silval, com mais de uma centena de citações a Blairo Maggi, além de comprometer empresários, senadores, deputados federais, deputados estaduais, conselheiros do Tribunal de Contas de MT e diversas outras autoridades públicas. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que atualmente está filiado ao PP mas era do PR, é apontado na delação como o idealizador de um sistema ilegal de arrecadação de recursos de campanha e pagamento de mesadas a parlamentares e outras autoridades públicas de Mato Grosso. De acordo com o delator, Blairo envolveu até mesmo os bancos na geração de recursos para campanhas eleitorais e para manter o esquema ilícito funcionando, em um modus operandisemelhante ao mensalão petista. A sugestão, segundo Silval, partiu de seu secretário de Fazenda, Éder Moraes, que recebeu sinal verde de Blairo para entrar em contato com os bancos e envolvê-los no esquema.

 Essas instituições financeiras eram acionadas para, por meio de empréstimos fraudulentos, pagar dívidas do estado perante construtoras e outras empresas que, segundo Silval, forneciam recursos ilícitos ao grupo político de Blairo Maggi. O delator conta que a própria gestão estadual emitia ofícios como avalista desses empréstimos fraudulentos. Nas palavras de Silval, “o que mais operou” foi o BicBanco – que era controlado pela família Bezerra de Menezes, mas foi comprado em 2013 pelo China Construction Bank. Ele também acusa o Banco Rural, pivô do mensalão, e o Daycoval de fazerem parte do esquema. Segundo Silval, os recursos ilícitos também eram gerados por meio do pagamento de precatórios a empresas credoras do estado, que se comprometiam a devolver uma parte em propina. Silval detalha diversas construtoras e grandes empresas que pagavam propina a pedido dos políticos. Uma delas, por exemplo, a Votorantim, forneceu, de acordo com ele, vantagens indevidas em forma de cimento e concreto, para receber em troca ampliação de isenções fiscais.

 No caso da cimenteira, a denúncia é frágil. O próprio Ministério Público Estadual verificou a licitude da negociação, em um Termo de Ajuste de Conduta assinado no dia 16 de agosto com o Estado do Mato Grosso. “(O MP) Reconheceu que não houve má-fé por parte da Votorantim Cimentos”, esclarece a empresa, reforçando que os benefícios fiscais obtidos referem-se à construção e ampliação de suas fábricas. Segundo a delação, o esquema também envolvia os frigoríficos e empresas do ramo de alimentação, como a JBS e a Marfrig. De acordo com Silval, o dono da Marfrig, Marcos Molina, aceitou pagar dívidas ilícitas do grupo político do ex-governador em troca do recebimento de incentivos fiscais. Para os investigadores, o acordo se justificou porque Blairo estaria acima de Silval na organização criminosa. Os investigadores suspeitam que Maggi montou o sistema ilícito que vigorou durante ambas as gestões. Outras importantes figuras políticas são envolvidas na lama revelada por Silval. 

O atual governador do estado, Pedro Taques, do PSDB, é acusado de pedir dinheiro para não investigar irregularidades do seu antecessor, enquanto cinco parlamentares federais de Mato Grosso são acusados de pedir ou receber propina: os senadores Wellington Fagundes e Cidinho Santos, ambos do PR, e os deputados federais Carlos Bezerra (PMDB), Fábio Garcia (PSB) e Valtenir Pereira (PSB). Segundo Silval, no início do governo Blairo Maggi, em 2003, começou a ser pago um mensalinho aos deputados estaduais, entre os quais estava o próprio ex-governador, que diz ter sido um dos responsáveis por tratar desse assunto junto ao Poder Executivo. Houve um acordo entre Silval e a Assembleia para que o orçamento do Poder Legislativo aumentasse em cerca de R$ 15 milhões, dando margem de caixa para o pagamento da mesada, que começou no valor de R$ 30 mil mensal por deputado. Segundo o delator, Maggi e outros integrantes do primeiro escalão de seu governo sabiam que o acréscimo orçamentário era para pagar o mensalinho. Quando assumiu o cargo de governador, em 2010, o próprio Silval passou a cuidar do mensalinho aos deputados, que eram representados por um parlamentar com extensa ficha corrida: José Riva, que já foi conhecido como o maior ficha-suja do país, por responder a mais de 100 processos. À época ele era filiado ao PP, posteriormente se transferiu ao PSD e atualmente se aposentou da vida pública, depois de também ter feito uma delação. Silval conta que, após o início de sua gestão, o apetite da Assembleia Legislativa por propina cresceu. Batizado com o nome de um grupo indígena que habitava a região, o Palácio Paiaguás, sede do governo local, era onde os acertos espúrios eram feitos sem pudor.

 Entre 2012 e 2013, com a proximidade da Copa do Mundo, uma comitiva de parlamentares estaduais, liderados por José Riva, atravessou o colorido painel externo do palácio, tombado como patrimônio mato-grossense, para ter uma conversa nada republicana com o governador: queriam receber propina das muitas obras preparatórias para o evento. Silval conta na delação que ofereceu a eles um percentual financeiro proveniente das obras de infraestrutura do programa MT Integrado, que ficou acertado em R$ 600 mil por deputado. Os parlamentares, segundo Silval, iam buscar o dinheiro em espécie no Palácio Paiaguás com o próprio governador ou com seu chefe de gabinete, Silvio Araújo. Nesse ponto está uma das principais provas da delação: gravações de aproximadamente dez deputados recebendo os valores em espécie e que foram entregues aos investigadores da PGR. Os vídeos foram revelados na quinta-feira (24) pelo Jornal Nacional, da TV Globo, e escancaram a naturalidade absurda com a qual os políticos pegam os maços de dinheiro e colocam em seus bolsos ou em uma mala. O prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, do PMDB, é um dos que foram flagrados nessa situação. De acordo com Silval, no segundo semestre de 2012, o então presidente do Tribunal de Contas do Estado, conselheiro José Carlos Novelli, foi ao Palácio Paiaguás solicitar propina para que as obras recebessem o aval do tribunal. O acerto, de R$ 53 milhões, seria dividido com os demais conselheiros e envolveu um detalhe surreal: Novelli exigiu que Silval assinasse 36 notas promissórias nesse valor total, com vencimento em 18 meses. “O conselheiro Novelli dizia ao colaborador que precisava das notas promissórias para comprovar para os demais conselheiros que tinha a garantia do pagamento das propinas”, relatou Silval. 

 Apesar de ser um criminoso confesso com participação em uma infinidade de irregularidades, Silval Barbosa justifica sua atuação como uma necessidade para manter a governabilidade montada por seu antecessor. “Por mais incrível que isso possa parecer, caso eu não efetuasse os pagamentos indevidos, não conseguiria tocar as obras, afetando totalmente meu governo e inclusive as obras da Copa”, afirmou. Silval conta que, quando estava prestes a deixar o governo, o grupo político que Maggi liderava e do qual ele participou selou um acordo de bastidores com o então candidato Pedro Taques, apesar de não apoiá-lo formalmente. O emissário de Taques era o então prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes, do PSDB, que se reuniu duas vezes com Silval. “Mauro pediu ao colaborador auxílio financeiro para a campanha de Pedro Taques no valor de R$ 20 milhões, sendo que em contrapartida, vencendo as eleições, Pedro Taques não iria vasculhar as contas das gestões anteriores”, explicou Silval sobre o acerto. A casa de Mauro, em um condomínio na zona nobre de Cuiabá, foi palco de um terceiro encontro, desta vez com a participação do próprio Taques. Além de dar o aval para a contribuição financeira, Taques pediu que Silval não investisse na campanha de seu concorrente nas eleições, Ludio Cabral, candidato do PT apoiado formalmente pelo PMDB de Silval.

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